O que te move? pisar as uvas e sujar os pés?

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Os turistas estão a descobrir as vindimas… eles que sujem os pés. Vão gostar tanto….

O meu filho saiu de casa super contente porque ia ajudar um amigo a limpar a casa.

Sabes aquela cena de pedir aos filhos que ajudem a manter a casa limpa e eles terem sempre alguma coisa para fazer? Ou então dizerem “agora é a vez do mano!”, “já vou!” e esquecerem-se depois? Ou ainda “tenho de estudar, posso fazer depois?” e o estudo perdura durante horas e dias sem fim? 

Pronto, a mim, naquele momento, deu-me uma coisinha má!  Chamei-o à razão e fi-lo perceber que aquilo que o estava a encantar (limpar a casa do amigo) era aquilo que fazia parte das suas tarefas domésticas. E que era difícil garantir que as executava sem reclamar, nos tempos combinados.

Existem sempre desculpas…

A desculpa foi simples… “mãe, aqui eu não sou obrigado, faço porque me dá prazer…. “ o que aconteceu a partir daqui vai merecer uma reflexão em texto próprio.

Agora vamos à pisa das uvas e ao facto de se pagar para poder trabalhar.

Pagar para trabalhar ou receber para trabalhar?

A vindima é um trabalho duro. Sei-o porque as vindimas fazem parte da minha vida desde criança, perdurarem enquanto adolescente e jovem adulta. Garanto-vos que era capaz de pagar para não vindimar. Não era só a vindima lá de casa, mas as vindimas dos vizinhos. As vindimas eram feitas à vez para que, quando se terminasse uma, se fosse fazer a seguinte. O rancho deslocava-se de vinha em vinha.

Por piada, ou talvez não, estava sempre a ouvir a mesma coisa… “ó pessoal, quero-vos a cantar!” nunca fui boa cantadeira e, por isso, sentia-me em desvantagem perante o rancho que entoava os cânticos em voga na altura. Depois percebi que enquanto se cantava não se comiam uvas. Esse era o principal objetivo da cantoria.

Os meus tímpanos, ao fim do dia reclamavam por silencio, tal como as costas curvadas pediam descanso numa cama de jeito.

Cada um a seu trabalho

A pisa das uvas exigia pés grandes e os meus, à altura eram pequenos, por isso desprezíveis e encaminhados para passar a vistoria à vinha e apanhar os bagos de uvas esquecidos no chão. Um trabalho leve ajustado a uma criança, dizia-se. Seca, mais seca não existia. Como se eu fosse um robot de apanha bagos para fazer vinho que, ainda por cima, não consumia.

Quando finalmente, os pés cresceram, lá fui encaminhada para o rancho que as esmagava sem só nem piedade, enquanto não veio o esmagador mecânico que fazia isso na perfeição.

Pisar as uvas depois da fermentação é que era um grande sarilho. Trabalho altamente perigoso. Era uma tarefa para homens de barba rija. Não raras as vezes morria gente nestas lides. A alta concentração de dióxido de carbono leva as pessoas a desmaiarem e a morrerem na adega. O morrer consolado era a piada seca que se dizia para espantar os demónios em tamanha dor.

Fazer o que precisa ser feito

O trabalho era duro e tinha de ser feito. A ideia era fazer sem questionar, porque não se podia fugir dele.  Mas vai uma enorme diferença entre ter vontade de fugir dele e ter vontade de fugir para ele, como o caso dos turistas.

Não, obrigada, tive a minha dose mais do que suficiente. Não me apetece fazer mais nenhuma vindima, não me apetece pisar mais uvas. Talvez tenha vindo daí o meu gosto por vinho. De o beber, não de o fazer.

Todos queremos experiencias

Na verdade, são as experiencias o que todos queremos. Não basta olhar, assistir de fora, ver no livro ou na televisão, precisamos viver, experienciar. Poder dizer, eu já fiz, eu experimentei, eu estive lá, cheirei, senti, ouvi, provei e sei como é. Como se colecionássemos memórias para o nosso celeiro – o nosso celeiro de memórias, de memórias de experiencias.

Mas porquê querer sujar os pés a pisar uvas? Porque nunca fez, nunca sentiu, nunca cheirou e quer experimentar. Mas imagina que lhe pedes para pisar as uvas durante a vindima 7 ou 8 colheitas seguidas…. Ai, ai, ai…. Não iria querer, por certo! Tal como o meu filho, limpar o apartamento com o amigo todos os dias? Cruzes…nem pensar…

Então gostamos de fazer as coisas uma vez e pronto? Não, claro que não… pensa nas coisas que fazes tantas vezes e não te cansas… ronronar com a tua paixão não entra neste exercício!

A motivação nem sempre é a chave

Eu gosto muito do que faço profissionalmente mas, às vezes, canso-me e não me apetece nada. Mas faço. Encontro a chave certa para me mover a mim própria e lá vou eu, sorridente e bem-disposta…

Cozinhar é outra coisa de que gosto muito. Às vezes é um tormento cozinhar, apetece-me não o fazer. Mas faço. Penso nas bocas lá de casa para alimentar. Outras vezes penso de outra forma. As bocas para alimentar podem ser alimentadas de outra forma…

A ideia é perceber a motivação que está por detrás da coisa. O que te leva a fazer tal coisa? Ás vezes é o dinheiro que te permite comprar comida – e esta é, de facto uma grande motivação. Pensar na comida que vais poder comprar, levar para casa e alimentar os teus filhos.

O que te move?

Se o que te move é só experimentar, fazer duas vezes é demais. Se o que te move é aprender, então vais tentar fazer o maior número de vezes até dominares a técnica. Se a ideia for tornares-te expert então vais ler, conhecer, fazer o que os outros ainda não fizeram.

Eu não quero tornar-me mestre na pisa das uvas. Já experimentei vezes demais. Já tenho o celeiro cheio de sensações e de emoções. Já tive, nos pés, a cor escura das uvas pretas entranhada nas unhas. Já escondi os pés vezes demais. E adoro sandálias!

O meu filho tem comigo uma conversa agendada!

E tu? O que te move? Gostas de sujar os pés nas uvas? Com que enches o teu celeiro de memórias?

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queres ver a noticia original? vê aqui:

https://www.jn.pt/local/noticias/vila-real/alijo/turistas-no-douro-nossa-foi-bom-demais-pisar-uvas-dentro-de-um-lagar-15152585.html?target=conteudo_fechado

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